Um novo olhar num melodrama clássico
Mário Barroso, director de fotografia de muitos dos filmes de João
César Monteiro e Manoel de Oliveira, entre outros, apresentou a sua
segunda longa-metragem como realizador no Festival de Locarno
2008. Um Amor de Perdição é mais uma versão cinematográfica do
romance português de Camilo Castelo Branco. Uma dessas versões
foi realizada pelo próprio Oliveira em 1979. Dadas estas
circunstâncias, será de afirmar que era um projecto arriscado, ter
de lidar com o romance em si e com as comparações ao filme de
Oliveira. E vendo o resultado, deve ser dito que Um Amor de
Perdição de Mário Barroso é um grande sucesso.
Barroso está consciente de que está a lidar com uma obra clássica
da literatura, e o livro aparece no filme: o personagem principal é
influenciado lendo-o. Barroso sabe que outras versões já foram
feitas; um dos personagens menciona que já viu uma delas. Barroso
sabe que já existem muitas histórias sobre tragédias, amores
condenados devido a rivalidades familiares: ele mostra-nos um
ensaio de uma cena do Romeu e Julieta, onde os jovens actores
felizes trocam beijos entre as falas. Barroso sabe que neste tipo de
história existem muitos clichés a evitar, mas ele quer fazer um
melodrama. Noutras palavras: Como é que alguém pode fazer um
filme do género com inteligência e compreensão? Como é que
pode ser moderno e ao mesmo tempo apaixonante? (…)
Um Amor de Perdição de Barroso está sempre consciente da sua
direcção e sempre dando uma abordagem moderna. Mas já se
fizeram muitas adaptações modernas de clássicos, muitas delas
demasiado cínicas e distanciadas (…) Um dos melhores achados
de Um Amor de Perdição é que se mantém quente e apaixonante,
trágico e tocante como um melodrama deve ser, sem ser
controlado pelos clichés habituais mas Barroso reconhece a
existência dos seus próprios clichés e usa-os de maneira favorável
ao filme; através da sua esperta utilização em termos de narrativa e
personagens e tudo isto em apenas oitenta minutos.
(…) Os mecanismos da narrativa são simples, estão à volta do amor,
do destino, da teimosia, da família, da lealdade e do ódio. Barroso
põe tudo isto a funcionar com uma inteligência poética: por
exemplo a conversa telefónica onde não se vê os telefones; o
primeiro impacto entre Simão e Teresa que se vêm apenas por entre
vidros e visores sem nunca se verem claramente; a maneira como
os rapazes e as raparigas são mostrados (e a mãe) e os detalhes
eróticos que combinam perfeitamente com os luxuosos jardins de
uma Lisboa encantada filmada por Barroso.
Barroso faz uma aparição no filme como pai de Teresa e não fala:
está nas sombras, puxando as cordas da sua estranha e brilhante
tragédia. Mas isto não significa que o filme segue o seu ponto de
visão. A história é narrada por Rita (interpretada pela esplêndida
Patrícia Franco) e é nela onde está centrado o verdadeiro amor da
história. Talvez esta versão barroca de Um Amor de Perdição diz nos
que o amor deve sempre olhar para lá dos horizontes, procurando
pôr algo novo e diferente, recusando ficar-se no conforto e na
segurança da família ou mesmo da classe ou raça.
Uma última observação: O título inglês do filme tem um “A”
acrescentado A Doomed love. Em português o título do filme é Um
Amor de Perdição, em vez de Amor de Perdição como sempre foi
em anteriores versões da história. Porque este é um amor de
perdição, um apenas, o de Mário Barroso, um realizador com uma
visão.
JAVIER PORTA FOUZ -
FIPRESCI 2008
CRITICO ARGENTINO, PROFESSOR E PROGRAMADOR