“Um Amor de Perdição” em Locarno

“ Porquê ‘Amor de Perdição’, depois das adaptações de Georges
Pallu (1921), António Lopes Ribeiro (1943) e, sobretudo, depois do
inesquecível e marcante filme de Manoel de Oliveira (1978)?”,
pergunta Mário Barroso na sua nota de intenções ao seu “Amor de
Perdição”, que realizou. Porque, entre outras coisas, entende-se da
nota de Barroso, este “Amor de Perdição”, que vai estar em
Locarno (de 6 a 16 de Agosto), não é tanto a história de amor
(contrariedade) entre as personagens de Teresa e Simão, com
conflito burguês em fundo, é mais uma história de destruição de um
herói, Simão Botelho, que o realizador compara a Adele H, a filha
de Victor Hugo, aos protagonistas de “Elelephant” aos “kamikazes”
do Iraque, a Jim Morrison, Sid Vicious ou Kurt Cobain – é doido
como eles. “O ‘nosso’ ‘Amor de Perdição’ será, essencialmente,
Simão Botelho, adolescente quase criança, solitário, intransigente
narcisista, suicidário, destrutivo e auto-destrutivo que atrai ‘como
uma auro fatal, uma luz negra, a maior parte das pessoas com
quem se cruza’.”

ÍPSILON. SEXTA-FEIRA 11 DE JULHO 2008

 

Locarno 2008, entre as adaptações e a procura da imagem
De encontro à Literatura

(…) O gesto mais arriscado de adaptação literária está na nova
versão de Um Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco por
Mário Barroso. Mais próximo de Baz Luhrmaan ou de Valeria
Sarmiento do que de Oliveira, e com soluções imaginativas (o rosto
de Teresa, o amor impossível de Simão, nunca se chega a ver com
claridade), Barroso transfere a trama da novela ao tempo actual,
com muita ironia e em apenas 80 minutos, mas assumindo o desafio
de levar até às ultimas consequências o comportamento dos
personagens anacrónicos que parecem guiar-se pelas leituras da
própria obra de Castelo Branco ou pela adaptação anterior de
Oliveira. (…)


JAIME PENA - CAHIERS DU CINÉMA ESPANHA / SETEMBRO 2008

Locarno 2008

“Para mim, os filmes que vi estão na média. Já o filme de Mário
Barroso sai dessa média e acho que tem até grandes hipóteses de
ganhar o festival”.

RUI MARTINS - JORNALISTA DO ESTADO DE SÃO PAULO

“Um Romeu e Julieta sem a Julieta”

(…) Lágrimas caíram durante a apresentação de “Um Amor de
Perdição” no Festival Internacional de Locarno. A sala Fevi estava
quase esgotada – três mil pessoas para 3.200 lugares – poucos
minutos antes de as luzes terem sido apagadas, o que não passou
despercebido ao realizador Mário Barroso. “Acho que o meu filme
vai ter mais espectadores aqui do que em Portugal”, disse
humildemente e arrancando risos do público.
O que se passa no ecrã, durante 81 minutos, está longe de ser uma
comédia. O filme conta a história de Simão, um jovem solitário e
violento, que se revolta contra a sociedade e a sua família, da alta
burguesia portuguesa. Os seus pais vivem um relacionamento sem
comunicação, onde o ódio transparece em cada um dos diálogos
(…)
O filme é a quarta adaptação do clássico da literatura portuguesa
escrito por Camilo Castelo Branco no século XIX. Mário Barroso
explica que a sua intenção não foi apenas realizar outra versão. “O
meu filme é, antes de tudo, uma homenagem a Manoel de Oliveira,
com quem trabalhei durante muito tempo. Ao ler o livro pela
terceira vez, decidi distanciar-me da história de amor e centrá-la
mais na questão da revolta. É um Romeu e Julieta sem a Juliieta”.
(…)

ALEXANDER THOELE - JORNALISTA DA SWISSINFO.COM, NOTICIAS DA SUIÇA PARA O MUNDO

Um novo olhar num melodrama clássico

Mário Barroso, director de fotografia de muitos dos filmes de João
César Monteiro e Manoel de Oliveira, entre outros, apresentou a sua
segunda longa-metragem como realizador no Festival de Locarno
2008. Um Amor de Perdição é mais uma versão cinematográfica do
romance português de Camilo Castelo Branco. Uma dessas versões
foi realizada pelo próprio Oliveira em 1979. Dadas estas
circunstâncias, será de afirmar que era um projecto arriscado, ter
de lidar com o romance em si e com as comparações ao filme de
Oliveira. E vendo o resultado, deve ser dito que Um Amor de
Perdição de Mário Barroso é um grande sucesso.

Barroso está consciente de que está a lidar com uma obra clássica
da literatura, e o livro aparece no filme: o personagem principal é
influenciado lendo-o. Barroso sabe que outras versões já foram
feitas; um dos personagens menciona que já viu uma delas. Barroso
sabe que já existem muitas histórias sobre tragédias, amores
condenados devido a rivalidades familiares: ele mostra-nos um
ensaio de uma cena do Romeu e Julieta, onde os jovens actores
felizes trocam beijos entre as falas. Barroso sabe que neste tipo de
história existem muitos clichés a evitar, mas ele quer fazer um
melodrama. Noutras palavras: Como é que alguém pode fazer um
filme do género com inteligência e compreensão? Como é que
pode ser moderno e ao mesmo tempo apaixonante? (…)

Um Amor de Perdição de Barroso está sempre consciente da sua
direcção e sempre dando uma abordagem moderna. Mas já se
fizeram muitas adaptações modernas de clássicos, muitas delas
demasiado cínicas e distanciadas (…) Um dos melhores achados
de Um Amor de Perdição é que se mantém quente e apaixonante,
trágico e tocante como um melodrama deve ser, sem ser
controlado pelos clichés habituais mas Barroso reconhece a
existência dos seus próprios clichés e usa-os de maneira favorável
ao filme; através da sua esperta utilização em termos de narrativa e
personagens e tudo isto em apenas oitenta minutos.

(…) Os mecanismos da narrativa são simples, estão à volta do amor,
do destino, da teimosia, da família, da lealdade e do ódio. Barroso
põe tudo isto a funcionar com uma inteligência poética: por
exemplo a conversa telefónica onde não se vê os telefones; o
primeiro impacto entre Simão e Teresa que se vêm apenas por entre
vidros e visores sem nunca se verem claramente; a maneira como
os rapazes e as raparigas são mostrados (e a mãe) e os detalhes
eróticos que combinam perfeitamente com os luxuosos jardins de
uma Lisboa encantada filmada por Barroso.

Barroso faz uma aparição no filme como pai de Teresa e não fala:
está nas sombras, puxando as cordas da sua estranha e brilhante
tragédia. Mas isto não significa que o filme segue o seu ponto de
visão. A história é narrada por Rita (interpretada pela esplêndida
Patrícia Franco) e é nela onde está centrado o verdadeiro amor da
história. Talvez esta versão barroca de Um Amor de Perdição diz nos
que o amor deve sempre olhar para lá dos horizontes, procurando
pôr algo novo e diferente, recusando ficar-se no conforto e na
segurança da família ou mesmo da classe ou raça.

Uma última observação: O título inglês do filme tem um “A”
acrescentado A Doomed love. Em português o título do filme é Um
Amor de Perdição, em vez de Amor de Perdição como sempre foi
em anteriores versões da história. Porque este é um amor de
perdição, um apenas, o de Mário Barroso, um realizador com uma
visão.

JAVIER PORTA FOUZ - FIPRESCI 2008
CRITICO ARGENTINO, PROFESSOR E PROGRAMADOR