Sinopse

1957, Uma Noite em Abril

Albertine, uma jovem de 19 anos brilhante e rebelde, salta o muro da prisão onde cumpria pena por roubo. Ao cair, parte um osso do pé: o astrágalo. É resgatada por Julien, fugitivo da justiça, e ambos se apaixonam perdidamente. Ele leva-a para Paris, onde a esconde em casa de um amigo. Enquanto ele continua a viver a sua vida de bandido na província, ela aprende a viver na capital. Julien é então apanhado e preso. Albertine, sozinha e procurada pela polícia vive de esconderijo em esconderijo, encontro em encontro, lutando contra a sua fragilidade pela sua liberdade e tenta suportar a dolorosa ausência de Julien escrevendo poesia.


Nota de Intenções

“Passei um quarto da minha vida na prisão, estive em tribunais de menores, casas de correcção, inquéritos judiciais, lutei, suspirei, ri; e sei também, com toda a certeza do meu ser, que debaixo do alqueire envolvido em rochas e ornamentos, debaixo das noites em branco e horas negras, há sempre um dia, uma possibilidade de regresso…” A.S

Quando, ainda muito jovem, li o “L’Astragale”, senti que o meu destino estaria ligado à prisão, embora não da mesma forma que o de Albertine Sarrazin.

É possível que em noites distantes, eu tenha sonhado ser Albertine, muito antes de ter caminhado do outro lado do muro. Ou talvez tenha sonhado que esta mulher, real e maliciosa, delicada e violenta, irónica, intelectual, sensual, terna, agressiva e determinada, fosse a minha mãe.

O Astrágalo é a história de um amor louco: o de uma jovem de 20 anos por um homem que a acolheu, ferida, junto ao muro da prisão de que tinha acabado de escapar, numa noite em abril de 1957. A fuga de Albertine acabará em junho de 1958, quando é detida em Paris.
A acção do filme desenrola-se entre estas duas datas.

O Astrágalo é uma história extraordinária, pelo encontro miraculoso entre Albertine e Julien e intensificada pelos obstáculos que se impõem a que fiquem juntos.
Graças a ele, ela volta a andar. Embora tenha uma lesão física, é sobretudo de amor que Albertine sofre.

Este é igualmente o retrato de uma jovem cuja paixão pelo extremo, o amor pela liberdade e a excitação da juventude a tornam numa heroína moderna. Albertine não pertence a nada a não ser ela mesma. Ela é o seu mundo, a sua terra, o seu próprio planeta. Um planeta em chamas que virá a explodir em pleno voo.

Em fuga e em guerra contra tudo o que a prende, num momento em que a Argélia está banhada em sangue, quando ocorrem os primeiros atentados em França e a FLN é lançada. Albertine, que nasceu na Argélia, abandonada e adoptada posteriormente por um casal francês, “ignora” as suas raízes africanas. Atravessa as ruas de Paris e atravessa toda a França. Procurada pelas autoridades, cada minuto de liberdade poderá ser o último, cada testa franzida poderá significar uma traição.

A sua capacidade extraordinária de crer que é indestrutível e livre dos perigos que a ameaçam, mas é sobretudo a sua necessidade de escrever que a salva. A escrita é a pele de Albertine. Para a atingir verdadeiramente no seu corpo e alma, seria necessário impedi-la de escrever.
A fuga, a prostituição, a solidão, a espera, os riscos tomados, são uma forma de viver, de continuar a viver enquanto espera pelo rencontro com Julien. No fundo, o fim do filme, o momento da separação radical entre ambos, é o verdadeiro começo da sua grande história de amor, como escreveu Albertine “sem terra, sem casa”.

Recentemente ouvi na radio um filósofo que citava outro. “Não existe explicação para o amor”, isto é uma evidência, mas quando acrescentou “não amamos alguém pelas suas qualidades, é por amarmos que vemos nessa pessoa tais qualidades”, iluminou o meu dia.

 

Leïla Bekhti e Reda Kateb

Foi na manhã do dia que ouvi pela primeira vez a voz do cantor Judaico-Árabe Line Monty (que ouvimos cantar neste filme) que pensei sugerir o papel de Albertine a Leïla Bekhti.
Foi na noite do dia em que Leïla me disse que sim que propus o papel de Julien a Reda Kateb.
Albertine e Julien Sarrazin disseram “Sim” uma segunda vez, quando os rostos de Leïla e Reda se encontraram numa imagem do meu filme.

Acredito profundamente que Leïla estava destinada a encontrar Albertine Sarrazin, na sua vida profissional e na sua vida pessoal. Sei que este encontro aconteceu e como era necessário – tanto para o filme como para Leïla.
Sabia da doçura de Julien Sarrazin, a sua humanidade, generosidade. Percebi-o ao conhecer Arlette Pautou, a sua segunda mulher, na companhia de Reda Kateb. Arlette “explicou-nos” o Julien. Conhecia Reda, o actor, não conhecia o homem: doce, gentil e generoso.
Quando partimos, Arlette olhou para Reda e, sem querer, disse “Adeus, Julien”. Ambos sorrimos e partimos confiantes.

Sim, Albertine, “há sempre um dia, uma possibilidade de regresso…”

 

A época

Da evasão à deflexão, passando por pela prostituição voluntária e amores homossexuais, a personalidade de Albertine contrasta fortemente com a França ultraconservadora do fim dos anos 50. Fazer um filme de “época” é recusar provar a cada desvio do plano que os elementos objectivos do filme (figurinos, carros, penteados, mobiliário) são apropriados e temer que se tornem um espectáculo por si mesmos.

Antes da rodagem, descobri o “Une Simple Histoire” de Marcel Hanoun, filmado em 1957. Vi os planos e a iluminação que tinha imaginado para o meu filme. Pensei então que as exigências formais daquele filme rodado em 1957 seriam um exemplo para mim e uma referência estilística dos décors que queríamos representar. Para nós, Frédéric Serve, o director de fotografia, e eu, através da sobriedade dos planos e do rigoroso trabalho com a luz, pensámos que seria possível recriar credivelmente esta época, as ruas de Paris em que os passos de Albertine Sarrazin ainda ressoam quando passo nelas em certas horas do dia.

Brigitte Sy,
Realizadora